O Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, Gávea, exibe a exposição “Claudia Andujar: no
lugar do outro”. A curadoria é de Thyago Nogueira. A mostra lança nova luz sobre a trajetória
da fotógrafa de origem húngara ao apresentar trabalhos pouco conhecidos da primeira parte
de sua carreira, anterior ao seu envolvimento com os índios Yanomami. São reportagens
fotográficas e ensaios pessoais, que incluem desde os registros documentais em preto e
branco do começo da carreira até a experimentação gráfica colorida do final dos anos 1960 e
começo dos anos 1970.
A mostra é dividida em quatro núcleos. O núcleo “Famílias Brasileiras” apresenta um dos
primeiros trabalhos de fôlego feitos por Claudia no Brasil. Entre 1962 e 1964, a fotógrafa
registrou o cotidiano de quatro famílias de contextos muito distintos: uma família baiana dona
de uma próspera fazenda de cacau, uma família da classe média paulista, uma família de
pescadores caiçaras isolada em uma praia de Ubatuba (SP) e uma família mineira religiosa.
Feito com a intenção de entender como viviam os brasileiros, Claudia almejava publicar o
trabalho em uma revista, mas o perfil diverso do conjunto não interessou à publicação.
O segundo núcleo é formado por reportagens desenvolvidas pela fotógrafa para a revista
Realidade, onde trabalhou de 1966 a 1971. Criada em 1966, Realidade foi um marco na
imprensa brasileira pela qualidade das matérias e por reunir um time notável de fotógrafos,
que incluía nomes como Maureen Bisilliat, George Love e David Drew Zingg. A ousadia editorial
de Realidade foi o ambiente perfeito para que Claudia mergulhasse em temas controversos,
espinhosos e poucos discutidos na imprensa.
Para a revista Realidade, Claudia fotografou as polêmicas operações do médico-espírita Zé
Arigó, em Congonhas do Campo (MG); a intensa atividade de uma parteira na pacata cidade de
Bento Gonçalves (RS); a situação dos pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em São
Paulo; uma sessão de psicodrama, e o controverso “trem baiano”, que levava imigrantes
desempregados em São Paulo de volta a seus estados natais. Além de reportagens, Claudia
também desenvolveu ensaios fotográficos para ilustrar matérias da revista. Fazem parte da
exposição uma série sobre relacionamentos homossexuais, cujas fotos não foram publicadas
pela revista, e um ensaio sobre a natureza dos pesadelos.
O terceiro núcleo é formado por três ensaios experimentais que Claudia desenvolveu em São
Paulo a partir de seu interesse pela cidade e pelo corpo humano. Fazem parte desse núcleo a
série sobre a “Rua Direita”, os nus da série “A Sônia” e fotos aéreas tiradas com filme
infravermelho.
O quarto e último núcleo da mostra contém fotografias de natureza feitas durante as primeiras
viagens à região da Amazônia, no começo dos anos 1970, especialmente ao longo do rio Jari,
no Pará, e em Roraima. Claudia fotografou as cachoeiras de Santo Antônio e o lavrado
roraimense com a experimentação e a sensibilidade que marcaram sua produção do período.
Em 1971, enquanto trabalhava numa edição especial da revista Realidade dedicada à
Amazônia, Claudia entrou em contato com os índios Yanomami. A partir de então,
transformou a documentação e a proteção desse povo em missão de vida. Seu trabalho como
fotógrafa e sua atividade política à frente da Comissão Pró-Yanomami trouxeram contribuições
inestimáveis ao país. Durante os anos que se seguiram, a produção de Claudia ligada aos índios
se sobrepôs ao extenso trabalho feito nas décadas anteriores, que agora começa a ser
retomado.
É essa produção ainda pouco vista e estudada que a exposição Claudia Andujar: no lugar do
outro vem regastar. Desde que chegou ao Brasil, nos anos 1950, Claudia mergulhou em
realidades que desconhecia e se interessou por núcleos fechados (como na série das famílias
brasileiras) ou grupos marginalizados e isolados (como os adeptos do espiritismo ou os
pacientes do Juqueri). Claudia usava a fotografia para entender o país que adotara, para
compreender o outro e descobrir a si mesma. Durante toda a carreira, Claudia fez questão de
se aproximar do outro e de se pôr em seu lugar – daí o título da exposição. Um deslocamento
que também ocorreu no âmbito geográfico, quando Claudia foi obrigada a abandonar suas
raízes e reconstruir a vida em um novo país. Ao focar-se nas primeiras décadas de sua carreira,
Claudia Andujar: no lugar do outro nos ajuda a entender a relevância, a originalidade e a
complexidade da produção de uma das mais importantes fotógrafas brasileiras.
Sobre a artista
Claudia Andujar nasceu na Suíça, em 1931, e em seguida mudou-se para Oradea, na fronteira
entre a Romênia e a Hungria, onde vivia sua família paterna, de origem judia. Em 1944, com a
perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, fugiu com a mãe para a Suíça, e
depois emigrou para os Estados Unidos, onde foi morar com um tio. Em Nova York,
desenvolveu interesse pela pintura e trabalhou como intérprete na Organização das Nações
Unidas. Em 1955, veio ao Brasil para reencontrar a mãe, e decidiu estabelecer-se no país, onde
deu início à carreira de fotógrafa. Sem falar português, Claudia transformou a fotografia em
instrumento de trabalho e de contato com o país. Ao longo das décadas seguintes, percorreu o
Brasil e colaborou com revistas nacionais e internacionais, como Life, Aperture, Look, Cláudia,
Quatro Rodas e Setenta. A partir de 1966, começou a trabalhar como freelancer para a revista
Realidade. Recebeu bolsa da Fundação Guggenheim (1971) e participou de inúmeras
exposições no Brasil e no exterior, com destaque para a 27a Bienal de São Paulo e para a
exposição Yanomami, na Fundação Cartier de Arte Contemporânea (Paris, 2002).
Até 15 de novembro.