A Galeria Mamute, Centro Histórico, Porto Alegre, RS, divulga e convida para a abertura da
exposição “Antes era só o vão”, do artista Antônio Augusto Bueno. A mostra com curadoria de
Francisco Dalcol apresenta um conjunto de trabalhos abrangendo pinturas, instalação, vídeo
com participação de Bebeto Alves, Eduardo Montelli e Luís Filipe Bueno e, gravuras em metal
impressas por Marcelo Lunardi.
A palavra do curador
Antes era só o vão
Os trabalhos de Antônio Augusto Bueno parecem atravessados por algo que não lhes
pertence, mas ao mesmo tempo os constitui. Esse aparente desacerto vem de uma indisciplina
do artista, no sentido de uma postura interessada na liberdade de experimentar no trânsito
entre linguagens, sem se prender a uma ou outra, intercambiando constantemente técnicas e
procedimentos.
Nas obras que integram a nova série “Antes era só o vão”(1), pintura é também gravura, assim
como escultura é desenho, e gravura é pintura. Os inversos também, pois um está sempre no
outro, formando zonas de indefinição. E ao se contaminarem, trazem como recompensa a
descoberta, com todas as aberturas e possibilidades que os momentos de incerteza ensejam.
A montagem da exposição na Mamute busca tirar força desses rebatimentos, do ir e vir que se
estabelece entre as obras e as diferentes modalidades artísticas que as compõem, propondo
ao espectador, a partir da disposição dos trabalhos, algumas relações visuais; umas mais
imediatas, outras menos explicitadas.
A instalação na entrada da galeria ocupa o pequeno espaço vago ao lado da escada. Se antes
era só um vão, há agora ali a tentativa de transformar esse não lugar em uma situação.
Realizado especialmente para esta mostra, o trabalho é composto por gravetos que Antônio
Augusto recolhe e estrutura em forma de armações, filiando-se a uma série de outras obras de
viés escultórico que tem realizado ao longo de sua produção. É como se ele desenhasse o
objeto no espaço, vendo nos galhos as linhas do desenho, mas também as manchas, quando
reunidos como espécie de grandes maços e ramalhetes.
As salas expositivas do andar de cima apresentam as novas pinturas e gravuras da série “Antes
era só o vão”. Nas telas em grande formato, as manchas carregam um aspecto de vestígios
ancestrais, como marcas de um tempo passado. Também lembram os troncos das árvores do
quintal do Jabutipê, o ateliê na antiga casa que Antônio Augusto mantém em uma rua ainda
silenciosa no Centro Histórico de Porto Alegre. Remetem ainda às paredes rachadas,
descascadas e fraturadas que permanecem em pé no casarão em ruínas próximo ao Jabutipê
onde foi gravado o vídeo do qual vem o título desta exposição.* De algum modo, essa
visualidade do entorno cotidiano do artista está impregnada nessas pinturas.
Mas nada seria assim sem a bem-vinda intromissão da gravura. Nessas pinturas, está plasmado
um processo alongado e pausado, fruto de um procedimento experimental. Sobre a massa de
pigmentos e tinta acrílica, o artista sobrepõe betume em algumas áreas. Esse material, muitas
vezes usado nos processos de gravura, vira tinta também, compondo novas manchas. As
camadas acumuladas são frequentemente raspadas, em um gesto de adição e subtração de
matéria, e também cavoucadas, como nos procedimentos de incisão da gravura. É um
processo não imediato, que leva dias, como o tempo de espera que muitas vezes a gravura
demanda. E nesse transcorrer, que permite um olhar mais vagaroso e, por isso, reflexivo, as
dúvidas advindas sempre dão a ver possibilidades a serem testadas e encaminhadas.
Pode-se pensar nesse sentido as gravuras da série. Pela primeira vez, Antônio Augusto
apresenta em público um conjunto representativo de trabalhos gráficos, essa modalidade
artística de tanta tradição e relevância histórica na arte gaúcha. Novamente, interessa ao
artista a margem experimental, aqui oferecida pela gravura em metal e pelo tempo próprio a
seu processo. Isso começa nos modos com que explora o desenho sobre as matrizes, passa
pela alquimia de ácidos e outros materiais aplicados nas placas como se ele as estivesse
pintando, e chega à etapa de impressão, cujas primeiras provas sempre levam o artista a
refazer o percurso do processo em busca de novos efeitos. Assim, a imagem final fixada sobre
o papel é antecedida por uma série de testes e experimentos. O que se obtém são resultados
sobrepostos e acumulados. Ao fim, continua sendo gravura, mas também desenho e pintura. E
ainda escultura. Se na instalação os gravetos se articulam como linhas no espaço, na gravura se
dá o oposto, com as linhas do desenho se tramando como se fossem elas os gravetos.
Em um olhar atento, é possível perceber que, ao longo da série “Antes era só o vão”,
evidencia-se um aspecto central que perpassa a totalidade da obra de Antônio Augusto de um
modo tão pessoal: o gosto pela artesania e pelo vagar que lhe é inerente, opções que, ao
serem assumidas pelo artista, ganham certo caráter político em tempos tão apressados e
automatizados como os nossos. Tempos esses dos quais apartar-se conscientemente significa
não só um ato de resistência, mas um gesto autêntico e singular de se colocar no mundo.
Francisco Dalcol
(1) “Antes era só o vão” é um trecho do texto de Luís Filipe Bueno que integra o vídeo
apresentado na exposição.
Sobre o artista
Antônio Augusto Bueno é Bacharel em Desenho (2004) e Escultura (2008), pelo Instituto de
Artes da UFRGS. Desde 1998 vem realizando exposições individuais, dentre elas “Cabeças –
armadilhas para um significado” no Museu do Trabalho / POA; “Anotador de Faces” Galeria
Municipal de Arte em Florianópolis, “Uma Maneira de Pensar” no MALG, Pelotas/RS, “As
desórbitas do avesso” na Arte&Fato galeria, POA/RS, “Gravetos Armados” no MAC RS, Galeria
Iberê Camargo, Porão do Paço Municipal, POA/RS, “Desenhos” no Estudio Dezenove, Rio de
Janeiro/RJ, “Um outro outono” MARGS. Desde 1996 participa de exposições coletivas como
“Do Atelier ao cubo branco”, “A bela morte” e “O Cânone Pobre” no MARGS, POA/ RS, “Idades
Contemporâneas”, ”Entre A-Z” e “Da matéria sensível” no MAC-RS em POA/RS, “Desvenda” no
Museu da República, Brasília/DF, ArtLive 2011 na CATM Chelsea, Nova York/EUA. Participou de
salões, dentre eles o Salão do Jovem Artista no MARGS, POA/RS, Salão da Câmara, POA/RS e o
Salão Nacional de Cerâmica no Museu Alfredo Andersen, Curitiba/PR. Em 2015 lançou o livro
Jabutipê, em 2012 o livro “O último homem na lua” com exposição no MAC-RS e Ilustrou o
livro “Arame falado” editado pela editora 7 letras do Rio de Janeiro/RJ . Em 2007 recebeu o
Prêmio Açorianos na categoria Melhor Exposição Coletiva com o Grupo Passos Perdidos e em
2008, o Prêmio Açorianos na Categoria Cerâmica com o Bando do Barro, além de ser indicado
na categoria Artista Revelação. No ano de 2009 foi indicado na categoria Desenho, pela
exposição “Tempo sobre Papel”, em 2012 foi indicado na categoria Escultura pela exposição
“Gravetos Armados” e em 2013 foi indicado em cinco diferentes categorias. Em 2013 recebeu
menção honrosa no 2° `Prêmio IEAVi pela exposição “Circulando linhas”. Tem trabalhos em
acervos do MARGS, MACRS, UFRGS, Fundação Franklin Cascaes e Fundação Kingler Filho.
Participou em 2000, da criação do Atelier João Alfredo 512, onde trabalhou até 2007. Em 2007
e 2008 integrou o grupo do Atelier Subterrânea. Desde 2008 realiza seus trabalhos, ministra
aulas e coordena o espaço expositivo do Jabutipê, situado no centro histórico de Porto Alegre.
É artista representado pela galeria Mamute.
Sobre o curador
Francisco Dalcol é doutorando em História, Teoria e Crítica pelo Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais (PPGAV) do Instituto de Artes da UFRGS. Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais (PPGART), da UFSM, na linha de pesquisa Arte e Cultura, com
ênfase em história, teoria e crítica (2013). Graduado em Comunicação Social, com habilitação
em Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), com especialização em
Comunicação e Projetos de Mídia, ênfase em arte, cultura, internet e cibercultura, pelo Centro
Universitário Franciscano – Unifra (2008). Também trabalha como jornalista (repórter e editor)
no jornal Zero Hora – Grupo RBS, sendo setorista de artes visuais. Tem experiência na área de
Comunicação, com ênfase em Jornalismo, Editoração, Jornalismo Cultural e Jornalismo Digital,
e também na de Artes e Cultura, atuando principalmente nos seguintes temas: história, crítica
e discursos sobre a arte e a produção cultural.
Até 09 de outubro.