O CCBB-Rio, Centro, Rio de Janeiro, RJ, apresenta ao público a exposição “Guilherme Vaz: uma fração do infinito”, com 50 anos de produção desse artista multimeios, músico experimental, maestro, pensador e integrante das vanguardas dos anos 1970. Um dos pioneiros da arte conceitual e sonora, Guilherme Vaz é um dos introdutores da música concreta no cinema brasileiro. A mostra conta com debates, reedição de trabalhos antigos, produção de novos trabalhos e edição de livro com ensaios inéditos, históricos e vasto conjunto de imagens e documentos.
A curadoria de Franz Manata apresenta o caráter inovador da obra de Guilherme Vaz ao destacar sua produção no contexto das vanguardas da arte contemporânea e sua vivência no Brasil central, com os sertanistas e povos indígenas. Em sua primeira grande exposição serão mostradas 41 obras que contemplam os diversos suportes utilizados pelo artista, como a instalação, objetos sonoros, instruções, desenhos, partituras, performances e parte de sua produção musical. “Guilherme Vaz: uma fração do infinito” destaca a importância da obra desse artista no panorama da cultura e deixará como legado um conjunto de textos, documentos e imagens para a memória da arte no Brasil.
Trajetória
Guilherme Vaz iniciou sua interlocução com a cena cultural do Rio de Janeiro no final da década de 1960, trabalhando com cineastas, músicos e artistas residentes na cidade. Realizou na época trilhas sonoras dos filmes “Fome de amor” (1968), de Nelson Pereira dos Santos – a primeira experiência de música concreta no cinema nacional, e O anjo nasceu (1969), dirigido por Júlio Bressane. Ambos premiados no Festival de Cinema de Brasília. Guilherme produziu trilhas para mais de 60 filmes, sendo 30 longas-metragens; ganhou nove prêmios e estabeleceu parcerias com importantes cineastas, como Júlio Bressane e Sérgio Bernardes. Segundo o curador, seu trabalho para o cinema traduz o “espírito do Brasil profundo”. Franz Manata comenta ainda o processo da pesquisa e curadoria da mostra.
Como músico e maestro, Vaz se envolveu com a música harmônica, a música concreta, experimental, o jazz, aprofundando-se na pesquisa com a música popular e flertando com a MPB. Esteve envolvido na fundação e apresentações do Grupo de Compositores da Bahia, organizado por Ernst Wiedmer; em 1967 funda com Vitor Assis Brasil o grupo Calmalma de Jazz Livre, que produzia jazz de vanguarda com acento na experimentação e improvisação musical; e participou da gravação do disco e da turnê do álbum de Ney Matogrosso, Água do céu-pássaro, de 1975, que apresenta sonoridade experimental permeada por elementos da natureza. Participou também da então nascente cena carioca de arte conceitual, articulada em torno das atividades do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, da criação da Unidade Experimental e de exposições históricas como o Salão da Bússola, realizado nesse museu, em 1969, e a polêmica “Agnus Dei”, realizada na Petit Galerie, no Rio de Janeiro, em 1970, além de participar das mostras internacionais: “Information”, no MoMA, em 1970, e da 8ª Bienal de Paris, em 1973, ambas relevantes no contexto da arte conceitual.
Dividida em três salas que ocupam o segundo andar da instituição, a exposição apresenta um percurso que se articula de forma complementar a mostrar uma fração do infinito artístico de Guilherme.
Na primeira sala, a experiência de Guilherme no interior do Brasil, onde desenvolveu trabalhos de antropologia, artes visuais e música pré-histórica com os povos indígenas sul-americanos Zoró-Panganjej, Gavião-Ikolem e Araras. O público poderá conhecer de perto um conjunto de pinturas realizado com o índio Carlos Bedurap Zoró, da tribo Gavião-Ikolem, de Rondônia, que por solicitação do artista reproduziu, nos tecidos fornecidos por Guilherme, suas pinturas corporais. Mais a série Solos ardentes, composta por 16 fotografias feitas com uma câmera amadora em 1999, em que crianças da tribo Gavião-Ikolem estão em frente a uma pilha de carvão da selva, dentro do escritório da Sociedade Pró-Arte, em Ji-Paraná, Rondônia.
Será apresentado o vídeo-concerto harmônico Música em Manaos (2004). Realizado por Guilherme e sob sua regência, a Orquestra Filarmônica Bielorussa se junta aos indígenas da etnia Gavião-Ikolem, no Teatro Amazonas. O registro é uma parceria com seu amigo, cineasta e documentarista Sérgio Bernardes (1944-2007). No outro vídeo, Uma fração do infinito, realizado em 2013 em parceria com o Instituto Mesa, Guilherme estabelece um diálogo com Charles Darwin ao refazer, simbolicamente, o caminho percorrido pelo naturalista britânico na cidade de Niterói. Um teatro sonoro onde os maracás ”acionam” as forças da natureza.
Na sala B estarão a escultura inédita Totem de maracás, composta por centenas de unidades do instrumento indígena, que reflete sobre o aprendizado com o universo indígena, e Jardim sem nome, uma instalação com seixos rolados que, segundo o artista, é uma metáfora acerca do universo da arte, em que sua própria história é como um imenso rio no qual os artistas são seixos dispostos ao longo do caminho.
A segunda sala mostra a produção de Guilherme como artista multimeios, músico experimental, maestro, pensador e integrante das vanguardas dos anos 1970. Aí poderão ser vistos sua pesquisa no campo da notação musical será apresentada (partituras convencionais, balizamentos gráficos, notações para o cinema e partituras como performance), a instalação sonora Crude, que surge a partir de sua pesquisa acerca do que ele definiu como “música corporal” iniciada na 8ª Bienal de Paris, em 1973, ainda sob o nome de Cru. Em sua primeira versão, o trabalho foi realizado de forma acústica quando o artista extraía sons diretamente da arquitetura. Já a partir da apresentação da 7ª Bienal do Mercosul em 2007, ele incorpora microfones e amplifica o som no espaço. Na versão atual, o artista convida o público para essa experiência. Tem também a instalação acusmática, composta por instruções de Guilherme Vaz, apresentadas ao público na “Information” – importante exposição de arte conceitual realizada no MoMA, em 1970. Para o CCBB o artista convida o público a seguir por um corredor, onde se escutam suas instruções. Segundo o curador é “uma estratégia para colocar ‘algo’ em evidência”.
A última sala destaca sua relação com a imagem em movimento através da parceria com o cineasta e documentarista Sérgio Bernardes, que traduz o Brasil profundo em sete filmes: Os guardiões da floresta (1990), Panthera Onca (1991), Cauê Porã (1999), Nós e não nós (2003), Amazônia (2006), Mata Atlântica (2007) e Tamboro (2009). A exposição conta com uma cronologia ilustrada, que aborda a vida e o percurso de Guilherme Vaz, com um vasto conjunto de documentos, obras, vídeos e arquivos de áudio.
Sobre o artista
Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Pioneiro da arte sonora, formou-se na Universidade Nacional de Brasília, tendo como professores Rogério Duprat, Décio Pignatari, Nise Obino, Cláudio Santoro, Damiano Cozzela, Régis Duprat, Hugo Mund Júnior, entre outros (1962-1964); e na Universidade Federal da Bahia, onde foi aluno de Walter Smetak e Ernst Wiedmer (1964-1966). Fundou, em parceria com Frederico Morais, Cildo Meireles e Luiz Alphonsus, a Unidade Experimental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1968-1970). Presidiu a Fundação Cultural de Ji-Paraná, fronteira com a Bolívia, onde desenvolveu trabalhos de antropologia, artes visuais e música pré-histórica com os povos indígenas sul-americanos Zoró-Panganjej, Gavião-Ikolem e Araras. Artista multimeios e experimental, autor das obras sonoras: Walk to anywhere, Rio de Janeiro (1970); Open your door as slow as you can, Rio de Janeiro (1970); Solos ardentes, Nova Iorque (1970); Crude, Paris (1973); Ensaio sobre a dádiva, d’après Marcel Mauss, Oslo (2008). Sua obra foi incluída em importantes exposições coletivas, dentre as quais se destacam: “Hélio Oiticica e seu Tempo”, Centro de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro (2006); VIII Biennale de Paris, Museé d’Art Moderne de la Ville de Paris (1973); “Agnus Dei”, Petite Galerie, Rio de Janeiro (1970); “Information”, MoMA, Nova Iorque (1970), entre outras.
Editou várias obras em CD com a gravadora OM Records: o vento sem mestre (2007), Sinfonia dos ares (2007), La Virgen (2006), Deuses desconhecidos (2006), Anjo sobre o verde (2006); A tempestade, El arte, Povos dos ares, Der Heiligue Spruch (2005); A noite original – Die SchopfungsNacht [Die Windeuber der Meer am Anfgang der Welt] (2004); Sinfonia do fogo (2004); O homem correndo na Savana (2003), todas elas lançadas no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC). Publicou a Sinfonia das águas goianas (2001), um livro em que reúne algumas das conjunções sonoras mais profundas, arcaicas e significantes do meio central da América do Sul.
Debates
Guilherme Vaz e a arte contemporânea
Sinopse: Comenta aspectos de sua produção artística, destacando seu papel na introdução da arte conceitual e sonora no Brasil. Na mesma data também será lançado o livro “Guilherme Vaz: uma fração do infinito”.
Palestrantes: Franz Manata, Marisa Flórido César
Data: 24/02/2016
Guilherme Vaz e o cinema
Sinopse: Comenta aspectos de sua obra musical, destacando seu papel na introdução da música concreta nas trilhas sonoras do cinema brasileiro.
Palestrantes: Franz Manata, Júlio Bressane, Suzana Reck Miranda
Data: 09/03/2016
Guilherme Vaz e a música
Sinopse: Comenta sua produção como maestro, sua relação com os aspectos estéticos da música erudita e sua relação com a formação da identidade cultural brasileira.
Palestrantes: Franz Manata, J. P. Caron
Data: 23/03/2016
Até 04 de abril.