A Simões de Assis, Jardins, São Paulo, SP, inaugurou a mais recente exposição individual de Emanoel Araujo (Santo Amaro da Purificação, 1940). Com texto do professor, pesquisador, artista e amigo de longa data de Emanoel Araujo, George Nelson Preston, essa será a primeira mostra após o falecimento do artista em 2022. Em “Afrominimalismo”, vemos sua produção de relevos brancos, alguns inéditos, em que se pode reconhecer uma conexão entre sua visão africanista e universalista. Esses trabalhos congregam a síntese formal do pensamento de Emanoel Araujo quanto à abstração geométrica, estabelecendo também um íntimo diálogo com a instalação do artista na 35ª Bienal de São Paulo. Em cartaz até 16 de deaembro.
OS RELEVOS BRANCOS DE EMANOEL ARAUJO
Relações entre os nexos de causalidade de um visionário africanista/universalista
Prólogo
Nesta exposição em que os relevos brancos de Emanoel Araujo são o foco, reconhecemos um nexo da sua visão africanista e universalista. Em “Emanoel Araujo: Afrominimalista Brasileiro”, propus um cânone do formalismo africano como a principal estética que norteou seu trabalho. Aqui, gostaria de revisitar brevemente essa proposição e atualizá-la. Consideremos também o neoconcretismo brasileiro, o minimalismo, o relevo como meio clássico antigo e o cânone têxtil africano. Se essa mistura parece anômala, consideremos o fato de que, desde o início de sua carreira, Araujo teve um temperamento enciclopédico e considerável interesse pelos relevos greco-romanos, pelo barroco e rococó brasileiros e pela história da arte em geral. Pertinente à nossa discussão aqui é o seu interesse pelos relevos clássicos e tecidos africanos, que têm muito em comum com os cânones gerais da escultura clássica africana.
Estamos habituados a ver antigos relevos gregos e romanos e os seus estilos reavivados em mármore branco, esquecendo-nos de que o tempo corroeu a policromia original. A este respeito, o clima seco foi mais favorável aos relevos egípcios. Os reavivamentos neoclássicos – nos quais o imaculado mármore branco era o suporte – afetam ainda mais nossas percepções. Nos relevos coloridos e nas esculturas de Emanoel, esse drama é representado em tons primários que se refratam em seus próprios tons e matizes.
A ausência de cor nos relevos brancos de Araujo resulta nas sutilezas e na dramaticidade da luz que performa uma escala de cinza – indo do branco, passando pelos cinzas intermediários, até voltar ao branco. Ao visualizar suas peças brancas, os relevos coloridos se tornam uma “película” onipresente em nossa experiência. A nossa experiência é “colorida” da mesma maneira quando nossa imaginação preenche a policromia perdida dos relevos greco-romanos.
A Corrente
No início da década de 1970, o cenário estava sendo montado para uma síntese das inspirações e influências de Araujo. Suas gravuras de formas mínimas feitas em grande escala, evocativas dos têxteis africanos, foram transformadas quando ele dobrou o papel das impressões em forma de máscara e as enrolou a partir da superfície, ocupando as três dimensões. Essas “Gravuras de armar” (1972) foram “o encaminhamento do artista em direção ao tridimentional”.
Devemos considerar também a afinidade dessas gravuras com o neoconcretismo brasileiro do final da década de 1950 e início da década de 1960, talvez, em particular, com a obra de Lygia Clark e de Hélio Oiticica. Nessa exposição, a conversa com o neoconcretismo brasileiro e as formas geométricas bidimensionais das primeiras gravuras podem ser apreciadas nas obras sem título de 2019.
Universalidade e o Cânone Africano
Em 1976 e 1987, e em ocasiões subsequentes, Araujo visitou o Benin e a Nigéria. Os oráculos de seus ancestrais nagô-iorubá haviam-no chamado. Em 1987, não poderia ter conhecido Emanoel Araujo de forma mais oportuna. Isso resultou na publicação de “Emanoel Araujo: Afrominimalista Brasileiro” – meu catálogo para a retrospectiva de dez anos do artista no MASP4.
Aqui estava um suposto minimalista “infectando” flagrantemente o estrito cânone minimalista com inflexões narrativas, culturais e históricas: daí o termo “afrominimalista”.
À época, eu havia identificado vários reflexos da estética africana na obra de Araujo no catálogo do MASP, como a tensão entre um eixo implícito e um eixo real, a repetição rítmica de formas primárias ou mínimas, e a repetição dessas formas interrompidas por surpresas formais, inversões como fugas e motivos pars pro toto – em que uma parte saliente de um objeto representa sua totalidade. O ambiente afro e ameríndio baiano, o barroco e o rococó brasileiros, o concretismo e o minimalismo formam uma corrente interligada. Em 1977, do Prado Valladares descreveu Araujo como um humanista “artista do mundo do conhecimento”. Isto é, não um “investigador de símbolos” paroquial ensinando sobre África. A partir disto, podemos concordar que Araujo projeta seus africanismos como uma linguagem universal em que a iconografia é secundária ao poder emocional e psicológico de um formalismo convincente que desperta em nós a “meta” da iluminação.
Envoi
Quatro níveis de relevo são empregados desde os tempos antigos. São relevos baixos, médios, altos e afundados. O relevo afundado, no qual não há projeção da forma para fora, mas é esculpido abaixo ou no espaço pictórico, é extremamente raro. Em vários relevos brancos, este plano afundado – que é a parede atrás – ganha uma curiosa presença de alteridade palatável. Essa manipulação dos vazios não é de forma alguma recente, sendo um tema recorrente desde a transição de Araujo, no início dos anos setenta, do figurativo para o abstrato.
Para este escritor, é de particular interesse o enorme relevo branco da mostra. É o contraste ou, melhor dizendo, o diálogo entre as suas grandes dimensões e o baixo relevo uniforme que vibra entre ser um enorme repousé e uma gigantesca peça de tecido africano. Penso que este relevo é uma homenagem à criatividade dos pigmeus Twa que vivem entre os povos Kuba , no centro da República Democrática do Congo.
Ainda mais enigmáticas são as obras “Totem angulares vazados” (2015) e sua companheira sem título. Essas obras não são relevos nem esculturas independentes. São estelas – outra forma antiga… São estelas devido à sua esmagadora frontalidade. E combinam aspectos de baixo, alto e médio relevos fluindo entre si. Num intrigante tour de force, como se fosse um léger de main xamânico, o espaço negativo das estelas funciona como o vácuo dos relevos afundados. Na minha imaginação, despejo os rios sinuosos do Brasil nesse vazio, “desdobrando” águas sinuosas na geometria dos têxteis africanos.
George Nelson Preston, PhD, Professor Emérito, CCNY/CUNY – Acadêmico da Cadeira Pierre Verger, Academia Brasileira de Belas Artes, Rio de Janeiro.