Jaider Esbell transformava mundos e pessoas com sua presença provocadora e generosa. Não vinha para pacificar ou para simplificar, mas para tensionar incansavelmente soluções e arranjos cristalizados, concebidos para manter um status quo violento e opressor. Desmascarava hábitos colonizadores introjetados nas rotinas institucionais, desafiava aqueles que o cercavam a colocar em dúvida suas certezas e, invariavelmente, oferecia modos de resolver impasses, promovendo esforços de diplomacia e tradução com uma energia criadora que parecia inexaurível. Não trilhava caminhos conhecidos ou sequer concebidos antes dele, mas mostrava e demonstrava a necessidade de outras parcerias, outras maneiras de trabalharmos juntos.
Era decidido, firme e objetivo, nunca condescendente. Era sempre construtivo, principalmente quando demolia visões ultrapassadas do mundo e da arte. Nos longos meses de preparação da Bienal, poucos momentos foram tão intensos quanto a fala em que Jaider, no pavilhão ainda vazio e silencioso, compartilhou conosco, publicamente, seus sonhos, reafirmando sua atuação fundamental na articulação da cena da Arte Indígena Contemporânea. Fundamental, isto é, para todos, para que chegue mais cedo o momento em que as mudanças que sabemos serem necessárias e inadiáveis possam de fato acontecer.
As conversas e trocas com ele foram decisivas na definição da participação de artistas indígenas na Bienal, na realização da mostra Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea no MAM São Paulo e na programação pública batizada por ele como “Bienal dos Índios”. Sem seu exemplo, teria sido muito mais árido pensar a possibilidade da Relação como qualidade definidora da arte e da experiência humana. O sentido geral da mostra se tornou outro pela sua presença, e agora ele se transforma outra vez por sua ausência. Mas essas trocas tiveram um impacto ainda mais amplo, para além da 34ª Bienal: Jaider Esbell é um dos catalisadores de uma mudança irreversível no debate da arte, da cultura e da diferença no nosso continente.
Seus braços iam longe, abraçavam seres, pessoas, saberes, visões de mundo e povos em encontros inaugurais, em que a diferença não era um fim em si mesmo, mas um princípio ativo para iniciativas contracoloniais. Seus olhos brilhavam com a convicção de uma missão a ser vivida, a qual ele podia resumir compartilhando um sonho, criticando os princípios do sistema da arte ou defendendo o sentido ativista e político da atuação tática de artistas indígenas contemporâneos.
Para nós, será impossível pensar nesses anos de trabalho e convívio sem sentir saudade do olhar desse artista, curador, escritor, agitador, pensador… desse amigo, desse txai. Sem ele, ficamos com a dor de uma perda gigantesca e irreparável. Ficamos também com a responsabilidade de levar adiante, coletivamente, o que ele iniciou. De seguir no caminho que ele concebeu e demonstrou ser possível. Ficamos com a tarefa de não deixar que o processo que a sua sabedoria soube iniciar se detenha ou regrida, de lutar para que se mantenha contínuo, irreversível e transformador.
Jaider Esbell partiu, mas continuará entre nós sua energia, que provoca efeitos imediatos, mas também rearranjos profundos e mudanças duradouras.
Em sua memória, estendemos os braços a todas e todos que foram tocados por sua presença, em especial seus familiares, amigos e aliados de longa data.
Gratidão.
Jacopo Crivelli Visconti e Paulo Miyada