O escritor, curador de fotografia e editor Diógenes Moura expõe “Livro de Rua (série fashion-abandono)”, na Galeria Utópica, Vila Madalena, São Paulo, SP. As 34 imagens inéditas que compõem a mostra foram clicadas pelo autor em seu celular, ao longo da pesquisa que vem realizando desde 2010, no bairro paulistano dos Campos Elísios – onde reside há 30 anos. O projeto versa sobre literatura, imagem e esquecimento.
Os “pacotes-existência”, como define o autor, estão aos nossos pés como resquícios de humanidades à beira do grande abismo que se tornou o mundo contemporâneo. Em “Livro de Rua (série fashion-abandono)”, uma poética da crueza toma forma de imagem para chamar atenção a uma discussão importante: os inúmeros indivíduos que passam a viver nas ruas da cidade em situação de abandono. “Pode doer, sim. Como doem e não doem os pacotes-existência que aqui estão e que se espalham (cada dia mais um, ou dois, ou três) pelas ruas do bairro, na região central de São Paulo depois de perderem o emprego, a casa, a família, a esperança, o amanhã dilacerado pelo que está por vir. Lá e aqui eles estão no silêncio e nos gritos da loucura coberta por fuligem: a segunda pele da imagem. São como nós. Estão aos nossos pés”, comenta.
Sobre a técnica, Diógenes Moura define: “Não são fotografias. São imagens feitas com um celular. Fotografia é abismo. Imagem feita com celular não possui segunda pele. Basta olhar e pronto. A diferença pertence a quem ver. O outro se incorpora ao primeiro plano e nada mais”. Mais que estética, a reflexão: “Fashion-abandono é um subtítulo perverso. Tem a ver com modismo, com a variação dos invólucros que protegem cada um desses personagens. (…) Na mesma cidade onde cachorros passeiam em carrinhos de bebê e são chamados pelos donos de ‘meu filhinho’. Na mesma cidade onde um homem, catador de papelão, é assassinado com uma flechada no pescoço em pleno Século XXI. As imagens de ‘Livro de Rua’ são o que me interessam na cidade onde vivo, entre violência e paixão. Meu por de sol é o Minhocão. Meu contraluz são as lanternas vermelhas dos automóveis no caos do trânsito interrompido. Minha poesia vem da voz da mulher belissimamente desvairada que corre em baixo do viaduto gritando que ‘a saudade é como um dia de Domingo, às 17h30’. Dói nela e dói em mim. Deus tomou Gardenal. Mas nada de tragédias. Aqui estamos e a cidade é um presépio. Tem alma. Pulsa e adormece. E cochicha bem baixinho nos ouvidos de cada um de nós: “Ou você me decifra ou te devoro em trinta segundos”.
Sobre o artista
Escritor, curador de fotografia, roteirista e editor independente. Nasceu em Recife, Pernambuco. Viveu durante 17 anos em Salvador, onde fez parte da equipe de criação da TV Educativa da Bahia. Vive em São Paulo desde 1989, no mesmo bairro, Campos Elísios. Premiado no Brasil e no exterior, foi Curador de Fotografia da Pinacoteca do Estado de São Paulo entre 1999 e 2013, onde realizou exposições, edições de livros e reflexões sobre o pensamento fotográfico tornando o acervo do museu um dos mais importantes da América Latina. Recebeu três vezes o Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) pelo seu trabalho como curador. Com Ficção Interrompida – Uma Caixa de Curtas, ganhou novamente o Prêmio APCA de melhor livro de contos/crônicas, em 2010. Com o mesmo título, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura, em 2011. Tem publicados, entre outros, Elásticos Chineses – Poemas Sujos (Casa de Palavras/Fundação Casa de Jorge Amado, 1999), Drão de Roma – Dezembro Caiu (Casa de Palavras/Fundação Casa de Jorge Amado, 2006) e Fulana Despedaçou o Verso (Terra Virgem Editora, 2014). O Livro dos Monólogos – Recuperação para Ouvir Objetos, seu novo livro, será publicado pela Vento Leste Editora em maio de 2018.
Galeria Utópica
Em 2017 a FASS, pioneira na apresentação de fotografias do início do século 20 no mercado brasileiro, comemorou 10 anos de existência e passou a chamar-se Utópica. Pesquisamos e mostramos a fotografia moderna, a ligação entre fotografia e literatura, o fotojornalismo e vários outros assuntos atiçados pela curiosidade e as contribuições de nossos colaboradores e parceiros, aos quais devemos grande parte de nosso prestígio. Sediada em São Paulo, a Utópica representa as obras de 17 fotógrafos. São eles: Wagner Almeida, Rogério Assis, Luiz Carlos Barreto, Aracy Esteve Gomes, Fernando Lemos, German Lorca, Juca Martins, Beth Moon, Carlos Moreira, Monica Piloni, Rogério Reis, Felipe Russo, Guillermo Srodek-Hart, Evandro Teixeira e Valdir Zwetsch, e os acervos dos fotógrafos Annemarie Heinrich e Martín Chambi. Além desses nomes, a Galeria conta em seu acervo com obras de mais cerca de 30 fotógrafos consagrados, como o brasileiro Carlos Bippus (primeira metade do séc. 20), o húngaro Lászlo Moholy-Nagy e o alemão Heinz Hajek-Halke (1898 – 1983).
De 03 de fevereiro a 03 de março.