A exposição “Decupagem”, individual de Iole de Freitas é o cartaz atual do Instituto Ling, Porto Alegre, RS. A curadoria traz a assinatura de João Bandeira.
Decupagem
Vinda do vocabulário cinematográfico, significando ações que produzem continuidades a partir de recortes, a noção de decupagem poderia caracterizar sumariamente a extensa produção de Iole de Freitas, em mais de quatro décadas de atividade artística. Como se pode ver nas obras e documentos desta exposição, desde os anos 1970 seu trabalho se desdobra em continuidades que, em boa parte, vivem de sua disposição entrecortada. Da faca que avança rompendo um tecido, em um de seus filmes daquela época, até os desvios com que tubos metálicos e placas de policarbonato recortam os espaços onde se instalam ao lançarem-se neles, em obras mais recentes. Pode-se pensar também nas sequências fotográficas em que um corpo se entrega ao olhar apenas na medida mesma em que se reflete em fragmentos, nos trabalhos em que diversos materiais industrializados encadeiam suas diferenças, no entrelaçar complexo de telas e fios metálicos de seus relevos ou nas novas esculturas de aço que, como várias de suas instalações, interrogam-se sobre até que ponto o atravessamento de formas em contraposição chega a constituir um ser.
Iole também decupa minuciosamente o que intenciona produzir. Mas permitindo-se alterações de percurso durante o confronto direto com as propriedades dos materiais que utiliza em suas obras. E em função de sua situação, isto é, do leque de relações que se estabelecem entre elas e os espaços em que se encontram, modificando-se reciprocamente. Nesse constante ir e vir, o desenho, em suas mais diversas maneiras, parece ser o principal instrumento de condução, decupando o fazer – seja a rápida notação de uma ideia vislumbrada, o diagrama para um filme, a procura repetida da melhor impulsão de uma curva numa peça tridimensional ou o comentário gráfico de uma instalação já realizada.
Associados a outros documentos da artista mostrados aqui, muitos desses desenhos possibilitam entrever a intuição e o raciocínio vertidos no trabalho, que revertem-se, para ela e para nós, em obras – incluindo desenhos. No entanto, assim como obras quando prontas não são, em si, um fim – dado que é justamente quando sua vida pública pode começar –, os desenhos diversos não são apenas testemunhos de origem. Entre anotações, projetos, estudos de elaboração variada e o que já obteve o estatuto de obra, tudo na fluidez tensa da produção de Iole de Freitas parece manter no horizonte as articulações do próprio movimento.
João Bandeira
curador
Até 29 de maio.