Reunindo um conjunto de obras de Jorge Macchi, artista argentino, “A estatura da liberdade” fica em cartaz até 19 de março na Galeria Luisa Strina, São Paulo e busca uma experiência que subverta a lógica cotidiana e vá além do palavrório conceitual.
Sem direção definida e objetivo claro, uma pequena mala sobre rodas percorre sozinha a galeria. Colidindo com obras, paredes e visitantes, altera seu rumo a cada obstáculo – como um protozoário, que diante de um estímulo reage de forma primária, afastando-se ou aproximando-se. Trata-se de La estrategia de la ameba (A estratégia da ameba, em tradução livre), de Jorge Macchi. Para o artista argentino, a instalação permite, de forma grotesca e bem-humorada, que a aparente diversidade das peças expostas seja “ridiculamente homogeneizada” na mostra A estatura da liberdade, que entrou em cartaz no último dia 9 de fevereiro na Galeria Luisa Strina em São Paulo.
Os trabalhos, feitos em diferentes materiais e com características distintas, parecem reunidos como em um livro de contos, em que cada obra é independente. A maleta automatizada se apresenta como um “objeto voraz e obstinado, que circula criando relações sempre novas entre as peças”, aponta Macchi. Assim, ela corrobora com a intenção primeira do artista: “Que se perceba um rio subterrâneo que perpassa todos os objetos”, conectando-os de alguma forma.
Porém, talvez não seja possível dar nome a esse rio, colocar essa suposta unidade em palavras. “Geralmente, acham que um artista tem que explicar o seu trabalho, mas estamos falando em outra linguagem: a visual. Não é possível traduzir”, explica o argentino. Tal qual La estrategia de la ameba, percorremos a exposição, criando possíveis relações entre as obras e tentando compreendê-las a partir de sua linguagem primeira, ao invés de defini-las numa tentativa de tradução. “Os statements [essas descrições explicativas], tortura a que somos submetidos diariamente em todo o mundo, são tentativas inúteis de simplificar ao extremo a criação artística para torná-la mais acessível. Acho que são pílulas anti-ansiedade que acalmam o espectador, mas roubam a complexidade do evento artístico”, desabafa Macchi; e complementa: “Diante disso, digo que não há como determinar e delimitar a poética. Pode-se sentir que há algo, mesmo que não se possa colocar em palavras. Meu desejo é que o conjunto de obras que compõem esta exposição nos permita perceber aquele fio ou aquele rio que aparentemente não está ali”.
A estatu(r)a da liberdade
Caminhando pela galeria, nos deparamos com diversos objetos que podem aludir à realidade, mas que de alguma forma a alteram. A série Confésion (Confissão, em tradução livre) traz duas caixas de papelão, que antes armazenavam smart TVs e agora estão vazias, cujas superfícies apresentam padrões de cruz que remetem aos confessionários religiosos. Em Debajo de la mesa (Debaixo da mesa), seis mesas de madeira são conectadas por seus pés, criando um espaço central vazio – consequentemente, o título passa a se referir a uma posição que não existe, já que não há mais “debaixo da mesa”, mas sim o centro de um objeto escultórico. Todas las palabras del mundo (Todas as palavras do mundo) é uma parede sem tijolos, em que só resta o cimento que os mantinha unidos, e cuja forma remete ao formato de um teclado de computador.
Apesar da preferência de Jorge Macchi por não estabelecer uma relação rígida entre o título e a mostra, há nessas alterações do real uma relação. Como ele próprio destaca em entrevista à arte!brasileiros: “Há algo na criação deste título que me interessa: como a adição de uma única letra transforma um objeto (A Estátua da Liberdade) em um conceito (a estatura da liberdade). As obras partem da premissa de introduzir mudanças muito pequenas na realidade e, assim, perturbar a forma como a percebemos ou entendemos”. O artista também acredita que o título possa ser visto como uma referência distante a O Fantasma da Liberdade, do diretor de cinema Luis Buñuel. “O filme é uma sucessão de situações aparentemente independentes, caprichosamente ligadas por um personagem ou uma situação, e cujo resultado é um violento ataque à lógica cotidiana.”
Seguindo essa proposta, diversas das obras parecem suscitar as ideias de presença e ausência, permanência e efemeridade. Se na série Presente estruturas feitas de haste de aço reproduzem as dobras de um papel que em algum momento embrulhou uma caixa – que está ausente -, Acorde nos remete simultaneamente à permanência e a efemeridade, ao que reproduz um teclado de piano em que uma sequência de teclas pressionadas congelam o momento de execução de um acorde de sol menor, “cujo som já se desvaneceu, ou cujo som permanece e, justamente sua permanência o torna inaudível”, conforme explica o texto de apresentação da galeria.
No corredor ao fundo da galeria encontramos ainda uma série de aquarelas. Segundo Macchi, elas são o começo da criação artística. “Se uma imagem surge através de uma experiência urbana, ou de um simples desenho, ou de uma memória, a primeira coisa que penso é como ela pode se materializar.” As pinturas são a atitude mais imediata, a ideia diretamente transposta para o papel. Ao que o artista busca uma forma de melhor comunicar essas imagens e extrair suas maiores riquezas, muitas acabam por gerar outra peça, em um suporte diverso. “Se me prendesse a uma técnica ou a um material, deixaria de lado essa premissa”. Isso agrega certa heterogeneidade não só a essa exposição, mas a seu corpo de obras como um todo. “Em geral, não gosto de reconhecer um artista vendo apenas uma obra. Sou contra a ideia de estilo”, conclui Macchi.
Fonte: Giulia Garcia para Arte Brasileiros!