A SIM galeria, Curitiba, Paraná, exibe nova série de trabalhos fotográficos realizados por Julia Kater. A apresentação desta mostra individual da artista é apresentada por Eder Chiodetto. Julia Kater exibe um conjunto especial de imagens em sua particular técnica constituída de relevo seco sobre fotografia impressa em algodão.
O elogio do encontro
Uma garota se curva até o solo e nesse movimento suas costas desenham um arco que casualmente ecoa e dá novo sentido ao conjunto de árvores que estão ao fundo. Figura e fundo, assim captados, não podem mais se dissociarem diante de nossa visão. Ambos passam a ter uma conexão física tão intensa, que tendem a deixar de ser primeiro e segundo plano, para se manifestarem como uma superfície homogênea.
Julia Kater cria, em diversos momentos de sua trajetória como artista visual, hiatos que interrogam a fotografia no seu nascedouro. A linguagem que surgiu com a intenção de mimetizar a realidade por meio da perspectiva renascentista – criando assim a ilusão de tridimensionalidade num suporte plano – vê-se desvelada dessa pseudo potência nas várias estratégias criadas por Kater.
Kater parece sequestrar as distâncias entre aqui e acolá, entre o que está próximo e o que parece distante. Ao subtrair esses espaços que distam figura e fundo, os corpos se amalgamam em sobreposições que sugerem novos desenhos, novas intersecções que criam um novo e inesperado organismo. Inesperado? Talvez nem tanto para quem, no desafio de observar atentamente a paisagem e seu entorno, perceba cenários em movimentos contínuos, que se alternam e se recombinam o tempo todo. As séries de Kater nos dizem que nada é estático, tudo está apto a ser recriado com novas informações, cores e texturas.
Ao raptar os espaços que a fotografia, de fato, não nos mostra – mas para os quais nossa percepção visual foi culturalmente treinada pela história da arte e da representação para assimilá-los – Kater cria colisões que geram o que podemos nomear de eventos escultóricos efêmeros.
As inéditas obras da série “Um e Outro”, criadas para essa primeira individual de Kater na SIM Galeria, apontam novos desdobramentos na busca incessante por esses eventos escultóricos fortuitos, que a artista tem apreendido nos últimos anos. Os planos fotográficos agora se rebelaram a ponto de escaparem da moldura que os encerravam, como nas séries “Ao Mesmo Tempo” e “Lugar do Outro”, por exemplo.
Essa inesperada cisão, que gera dois corpos isolados, traz elementos renovados para as relações entre figura e fundo e parece criar um novo foco de interesse da artista, que consiste na fatura quase impossível de se representar no mesmo plano, que é a relação entre o observador e o que este observa na paisagem.
Novamente uma garota – será a mesma que curvou as costas diante das árvores? – sugere com sua postura, que está observando algo num horizonte que não nos é possível enxergar. Apenas sugere porque Kater oblitera nossa visão do rosto da garota interceptando-a bruscamente com outro quadro, outro plano. Somos levados instintivamente a pensar em causa e efeito: a garota flerta com a paisagem e, nessa deambulação, ela é envolvida quase inteiramente por aquilo que vê.
Se nas séries anteriores o evento escultórico se dava pelo confronto e justaposição de dois corpos distintos, que tendiam a criar um novo desenho-organismo, agora em “Um e Outro”, temos um observador que é tomado por aquilo que ele observa. É ele quem elege na paisagem o elemento que irá transformá-lo. Nessa inversão sutil de ponto de vista, a artista parece se ausentar momentaneamente e deixar de orquestrar os encontros entre figura e fundo, para que o observador fotografado por ela lhe indique aquilo que tem o poder de transformá-lo pelo sentido da visão.
O estilete com o qual a artista criou as conhecidas incisões na superfície das suas fotografias, para revelar novas camadas significantes sob a paisagem, nesse instante foram transferidos para os olhos dos personagens que ela encontra em seu cotidiano.
Escultóricos, orgânicos e desafiadores, esses novos trabalhos de Julia Kater fazem uma espécie de elogio ao encontro entre pessoas, paisagens e histórias. Afinal, são sempre os encontros que nos propiciam transformações nos roteiros que seguimos, desenhando no fluxo contínuo da vida.
Eder Chiodetto
Sobre a artista
Julia Kater nasceu em Paris, França, em 1980. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil. Possui formação em fotografia pela Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM, São Paulo, SP, Brasil. Entre suas premiações encontram-se 2012, Residência Artística, Carpe Diem Arte e Pesquisa, Lisboa, Portugal e em 2011, Prêmio Funarte de Arte Contemporânea, São Paulo, Brasil. Realizou exposições individuais em 2014, Caixa Cultural Brasília; Galeria Vitrine, Brasília, DF; 2013, Projeto 3C, Centro de Criação Contemporânea, Salvador, BA; 2012, Galerie Virginie Louvet, Paris, França; Ao Mesmo Tempo, Fundação Abraço, Lisboa, Portugal; Lugar do Outro, Zip´up, Galeria Zipper, São Paulo, SP. Entre as exposições coletivas que participou destacam-se: 2013, Carla Chaim, Julia Kater, Marcia de Moraes, Casa do Brasil em Bruxelas, Bélgica; 2012, Soma, Genebra, VL Contemporary, Suíça, Inventário da Pele, Fotografia Contemporânea Brasileira, Curadoria Eder Chiodetto, SIM Galeria, Curitiba; 2011, Carla Chaim, Julia Kater, Marcia de Moraes: Um de Três. Prêmio Funarte de Arte Contemporânea, Galeria Flávio de Carvalho, Complexo Cultural, Brasilia, DF, About Change, Banco Mundial, Washington, EUA, Outras Perspectivas, Espaço Texprima, São Paulo, SP, Idioma Comum, Artistas da CLPL na Coleção da Fundação PLMJ, Lisboa, Portugal; 2010, Projeto Dobradiça, Curadoria Eder Chiodetto, Arterix, São Paulo, SP, 12º Salão Nacional de Arte de Itajaí, Itajaí, SC, Incompletudes, Curadoria Mario Gioia, Galeria Virgílio, São Paulo, SP, Fidalga no Paço, Paço das Artes, São Paulo, SP, SP-ARTE, site specific, Pavilhão da Bienal, São Paulo, SP; 2009, Projeto Tripé, Natureza, SESC Pompéia, São Paulo, SP.
De 10 de junho a 12 de julho.