O Instituto Tomie Ohtake, Pinheiros, São Paulo, SP, promove a segunda edição de seu programa “Arte Atual”. Elaborado pelo Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake (NPC), foi concebido para promover exposições coletivas de artistas emergentes, em que projetos experimentais ambiciosos possam ser concretizados e apresentados ao público, contando, para isso, com o apoio ativo de galerias de arte presentes no país. Para esta segunda edição, o Instituto Tomie Ohtake apresenta Medos Modernos, exposição dos artistas Luiz Roque, Matheus Rocha Pitta e Nicolás Robbio.
Com curadoria do Núcleo de Pesquisa e Curadoria, “Medos Modernos” é uma exposição pensada a partir de entendimentos do que é o moderno – palavra-chave associada às transformações aceleradas desde meados do século XIX, com seus múltiplos desenvolvimentos científicos e sociais e implicações que vão desde a inovação e contraposição ao passado, passando pela industrialização e progresso, até a padronização e controle social resultantes do avanço tecnológico. O moderno – seja enquanto período histórico, sinônimo de vanguarda, tempo presente ou evolução – gerou um processo dúbio, em que há ora otimismo e entusiasmo ora dissintonia do indivíduo frente às facilidades, invenções e alienações de um vasto contexto.
As obras que integram a mostra “Medos Modernos” apontam para a permanência da ansiedade que surgiu com a modernidade, sem necessariamente citar as vanguardas do modernismo. Assim, reverbera processos que marcaram profundamente as estruturas sociais e psíquicas dos indivíduos, chegando ao extremo de quadros de ansiedade e neurose. Atualmente, os sintomas inerentes dessa civilização moderna seguem latentes na tensão e insegurança frente ao imperativo da produtividade e desperdício da economia capitalista, como se colocará em questão na instalação de Matheus Rocha Pitta; à necessidade de adequar-se a categorias e padrões identitários e comportamentais pré-estabelecidos, como problematizado pelo vídeo de Luiz Roque; e à imposição de sistemas de catalogação e normatização dos sujeitos, dos objetos e do espaço, como tensionado pela produção de Nicolás Robbio.
Artista e Obras
Luiz Roque, Cachoeira do Sul, RS, 1979. Trabalhando principalmente com fotografia e vídeo, Luiz Roque se apropria de elementos da cultura de massa e da mídia para levantar tanto questões identitárias e existenciais, quanto as diferentes formas de manifestações de poder. Muitas vezes o artista gaúcho propõe cenários artificiais, beirando a ficção científica, que apontam soluções para impasses e situações de conflito. Para “Medos Modernos”, Luiz Roque apresentará um desdobramento do seu projeto “Ano Branco”, apresentado e realizado na ocasião da 9ª Bienal do Mercosul, em 2013, que aborda a questão da transexualidade. Depois de quase um ano de pesquisas em colaboração com o Centro de Engenharia Mecatrônica da PUC-RS, o artista projetou um futuro no qual esse tipo de intervenção já tinha passado por uma batalha política de aceitação e institucionalização. O resultado é um filme que flerta com a ficção científica no qual uma mulher está sendo preparada ou acabou de passar por uma cirurgia de mudança de gênero. Em uma sociedade ainda pautada por parâmetros conservadores no que diz respeito à sexualidade e formas de experienciá-la, o cenário futurista e a ambiguidade do filme de Luiz Roque instigam os espectadores a refletir sobre a identidade sexual e a liberdade sobre o próprio corpo, assim como as implicações excludentes dos conceitos de “normal” e “natural”.
Nicolás Robbio, Mar del Plata, Argentina, 1975. Artista residente em São Paulo desde 2002 e graduado em artes plásticas, tem no desenho sua principal ferramenta de expressão e elaboração conceitual, presente mesmo em instalações e projeções. Desenhos técnicos e elementos da arquitetura integram corriqueiramente a sua produção, que questiona e readapta uma série de sistemas de representação usuais. Para “Medos Modernos”, Nicolás Robbio parte do padrão de representação gráfica dos fluxogramas de autoatendimento telefônico, sistemas funcionais e lógicos baseados em perguntas que exigem respostas binárias – sim ou não. O artista apresentará uma instalação que materializa um diagrama no espaço expositivo, onde objetos diversos tomariam o lugar das células. A transição entre um e outro elemento não se faz por relações lógicas evidentes, como nesses esquemas operacionais, mas por associações acidentais e enigmáticas. Assim, Nicolás Robbio aponta as lacunas e disfuncionalidades de um sistema de representação que tem como ambição a racionalização e a elucidação de uma situação complexa.
Matheus Rocha Pitta, Tiradentes, MG, 1980. O artista cria suas obras a partir do interesse na relação entre sociedade, mercado e consumo, produzindo intervenções no espaço que trazem à tona temáticas sobre a valorização do capital e a força de trabalho humana. Faz uso de linguagens como instalação, escultura, fotografia e vídeo, em que sempre articula imagens e objetos conhecidos e retirados do cotidiano para discutir questões políticas e mercadológicas e incitar o público a desenvolver um raciocínio pautado em suas referências. Em “Medos Modernos”, Rocha Pitta exibirá uma versão de seu trabalho “Deposição”, de 2013, exposto inicialmente no Kunst Im Tunnel – KIT, em Düsseldorf, Alemanha. Para a sala do Instituto, a instalação será composta por alimentos industrializados, dispostos diretamente sobre o chão, prontos e disponíveis para o consumo. O visitante será convidado a experimentar – sem o auxílio de talheres – esses produtos, que estarão abertos, sugerindo o consumo, mas colocando um desafio para o seu conforto. O artista trata, então, do valor das coisas desprovidas de seu estatuto de mercadoria, em uma condição de oferenda, sujeita ao desperdício.
Sobre o Núcleo de Pesquisa e a curadoria
O Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake, coordenado por Paulo Miyada e integrado por Carolina de Angelis, Julia Lima, Olivia Ardui e Priscyla Gomes, vem pesquisando arte brasileira desde 2011. Com projetos de exposição e pesquisas como a Linha do Tempo da Arte Brasileira, o NPC já colaborou com exposições como Paulo Bruscky, Estranhamente Familiar, Jasper Johns, Louise Bourgeois, Arquitetura Brasileira, Tomie Ohtake, entre outras.
Paulo Miyada, São Paulo, 1985. Curador e pesquisador de arte contemporânea. Arquiteto e urbanista pela FAU-USP, onde realizou seu mestrado na área de História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo. Trabalhou como assistente de curadoria da 29a Bienal de São Paulo (2010), compôs a equipe curatorial do programa Rumos do Itaú Cultural 2011-13 e foi curador das exposições coletivas “Em Direto”, novembro de 2011, e “É Preciso Confrontar as Imagens Vagas com os Gestos Claros”, setembro de 2012, ambas na Oficina Cultural Oswald de Andrade, entre outras.
Até 04 de maio .