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AGENDA CULTURAL

O jogo conceitual de Mano Penalva

A exposição individual de pinturas, objetos e esculturas de Mano Peralva encontra-se em exibição até 29 de abril na Simões de Assis, Jardins, São Paulo, SP.

Em Cumeeira, Mano Penalva permanece atento ao que constituiu suas pesquisas e seus interesses. O mercado de pulgas, os mercados populares e, sobretudo, o comportamento sociocultural que dota de sentidos e afetos o que se encontra em desuso. O próprio termo “cumeeira” define interesses de épocas remotas, nas quais festas e rituais de inauguração das casas eram noticiados pela imprensa. O rito, de outros modos, ainda é feito ao se erigir a parte mais alta dos telhados. A festa da cumeeira, cantada internacionalmente por Tom Jobim, não é senão o churrasco da laje, o cozido, o mocotó, que muitas vezes acompanham a ação coletiva (os mutirões) e que caracterizam as autoconstruções (método de edificar casas com a ajuda da família, dos amigos, da vizinhança). De modo ampliado, também entregamos as cumeeiras a santos protetores e orixás.

Na exposição, Penalva observa e compõe tramas, as mais variadas. Achas e varetas de madeira se empilham em construções, couros de tambores são costurados lado a lado, palhinhas são arrematadas por um tecido de crochê de juta. A casa prevalece ao ambiente externo, à própria rua e, nos detalhes, vai nos conduzindo aos sinais de um trabalho inútil. Na arte, a chamada “vontade construtiva” também se dedicou a pensar esses gestos – a junção de planos, o equilíbrio de matérias -, muito mais pautada pelos módulos industriais que regiam a ideia de progresso. O Brasil gerou, com isso, uma perigosa limpeza étnica em obras que, muitas vezes abstratas, abriram mão justamente das culturas populares de tradições negras, indígenas e caboclas que Mano Penalva reinstaura. Por outro lado, não seria propriamente a ideia de popular que estaria em jogo. Antes, pensemos que lugares conceituais vão mantendo os gestos do artista como um pensamento que invoca outras sensações, outros sentimentos.

Em “Afinados” (2018), dois machados de madeira quase coincidem, como no amor, na dualidade nem sempre correspondente a um tempo partilhado. “Quebra sol” (2022) e “Arrimo” (2023) já nos colocam diante da multicultural tradição dos muxarabis árabes, reelaborados pelos brises e cobogós da arquitetura moderna, mantidos por peneiras das tradições da cestaria indígena. Ali, o que pode parecer obstáculo se organiza de modo malemolente, se mexe, dança com o vento ou com a interação humana. Ainda assim, o exercício geométrico se mantém em franco diálogo com a história da escultura brasileira, com os aprendizados concretos e neoconcretos.

Para além dos interesses pelos gestos populares, pelas manufaturas em desuso e pelos ornamentos da casa, vemos, em Cumeeira, um uso elaborado, quase literário, de metáforas visuais. Os couros redondos dos tambores são chamados de “Pérolas” (2022). A paisagem, por exemplo, se mostra como mote associativo quando um tecido azul com duas argolas pendentes ganha o título de “Chuva” (2023). Um molde de palhinha em formato aproximado a um chapéu, acrescido de pingentes de cortina é nomeado: “Arlequim” (2022). Aqui, o tom da poesia de Mano Penalva nos coloca em sensações de nostalgia e reminiscência, em um jogo conceitual romântico que convoca as memórias deixadas em pedaços nas casas vazias – memórias que ganham vitalidade ao enfrentarmos os vazios das mudanças.

Marcelo Campos

 

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