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AGENDA CULTURAL

Os 91 anos de Anna Bella Geiger

O Sesc RJ, apresenta (até 08 de Setembro) na Galeria do Sesc Copacabana – 1° andar a exposição “Anna Bella Geiger – Entre o relevo e o recorte”. Mostra inédita que celebra os 75 anos de carreira da artista, que também completa 91 anos. A mostra inédita mergulha no universo multifacetado de Anna Bella Geiger, uma das mais influentes artistas brasileiras do século XX. A individual é realizada pela Agência Dellas e produzida pela Atelier Produtora, e conta com a curadoria de Ana Hortides. A mostra foi contemplada pelo Edital de Cultura Sesc RJ Pulsar 2024.

A mostra apresentará 29 trabalhos fundamentais que datam da década de 1960, especificamente no período entre 1960 e 1966. Destacando-se a obra Sem título, de 1961, vencedora do 1º Concurso Interamericano de Grabado, na Casa de las Americas, em Havana, Cuba, no ano de 1962.  “Anna Bella Geiger – Entre o Relevo e o Recorte” destaca especificamente a fase inicial da artista como gravadora, revelando a sua ousadia ao desafiar as convenções do meio. Um aspecto crucial da exposição é a exploração da técnica de recorte da chapa de metal da gravura, uma prática não usual na época, que sinalizava a direção de suas futuras experimentações.

Uma iniciação

Lembro-me bem de quando cheguei a uma compreensão mais plena e profunda dos princípios abstracionistas na minha própria obra em meados do ano de 1952. Estávamos num momento cultural em que alguns e algumas de nós, artistas, vínhamos buscando, individualmente, radicalizar essas  transformações, fosse aqui no Brasil, como internacionalmente. Isso após uma longa iniciação, desde 1949, no ateliê da artista Fayga Ostrower, através de incansáveis estudos e pesquisas baseados nos princípios cubistas de Pablo Picasso e Georges Braque, assim como nos exercícios propostos nos Notebooks de Paul Klee na Bauhaus. Incluiria aí também estudos sobre o uso da cor e da composição estrutural na gravura japonesa do século XVIII e na complexidade da escultura africana em suas diversas regiões. Naquele turbilhão de ideias, comecei a encontrar soluções próprias, individuais, em meus desenhos, guaches e gravuras abstratas. Nessa época, alguns de nossos pioneiros na área gráfica, como Osvaldo Goeldi, Lasar Segall, Lívio Abramo, inclusive a própria Fayga Ostrower (até 1952), eram artistas figurativos, não viam o mundo somente do ponto de vista estético, mas sim sob os seus aspectos sociais e humanos. Havia um conflito, um verdadeiro tabu, na questão da eliminação da figura humana na Arte. As desavenças eram profundas, e, no Brasil, ainda tínhamos uma questão extra-artística, como a do regionalismo ou do realismo. As questões desenvolvidas na minha obra, eram denominadas no vocabulário internacional como abstração informal ou lírica, com certa identidade com os pintores da Escola de Nova Iorque e de Paris, bem como as  levantadas pela  Fayga,  Iberê Camargo, Yolanda Mohalyi, entre outros. Desses artistas internacionais, podem ser citados, por exemplo, Franz Kline, Willem De Kooning, Robert Motherwell, Philip Guston, Jackson Pollock, assim como o franco-alemão Hans Hartung e o espanhol Antoni Tàpies. Em 1965, a minha própria concepção sobre a arte abstrata começa a se radicalizar, assumindo recortes e relevos na sua composição. É o caso de duas gravuras sem título, que diferem das outras anteriores porque recorto uma forma trapezóide na própria placa de latão, e assim, o relevo surge impresso no papel branco, vazio. É interessante notar que, apesar de não termos tido contato naqueles mesmos anos com os artistas abstratos internacionais, principalmente os da Escola de Nova Iorque, ocorreu uma certa concomitância com a obra internacional numa identidade de princípios, por exemplo, por certas posições políticas semelhantes do pós-guerra, culminando numa semelhança formal. Não devemos nos esquecer que a arte abstrata surge também em consequência da 2ª Guerra Mundial e adota um pensamento baseado na filosofia existencialista, do individualismo, do conceito de liberdade individual em Jean-Paul Sartre. Em fevereiro de 1953, organizou-se a Primeira Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, da qual participei com três obras. Podemos dizer que ali, pela primeira vez no Brasil, os artistas abstratos marcariam posição contra as principais tendências da arte no país, compreendidas pela primeira vez do ponto de vista plástico-formal e não a partir de questões extra-artísticas, como o regionalismo e o realismo social. Já sobre o abstracionismo na minha obra, ele se desenvolveu até 1965, período em que participei de inúmeras Bienais Internacionais, como a de São Paulo (de 1961,1963,1965 até o ano de 1967), quando eu aderi ao boicote contra o AI-5. Ao longo de 1962 a 1966, integrei exposições, como o 1º Concurso Interamericano de Grabado, em Havana, Cuba, 1962, onde recebi o primeiro e único Prêmio “Casa de Las Américas”; o Brazilian Art Today, no Royal College of Art, Londres, em 1965; a 1ª Bienal Latino-Americana de Grabado, Santiago do Chile, em 1966, da qual recebi menção honrosa; a 1ª Exposição Jovem Gravura Nacional, do programa Jovem Arte Contemporânea (JAC), do Museu de Arte Contemporânea (MAC) de São Paulo no qual ganhei o 1º Prêmio de gravura. Além dessas, participei de exposições   individuais e coletivas, como a EL ARTE en America y España, em 1963, no Instituto de Cultura Hispânica, Madrid, entre outras. Em 1978, fui convidada por Paulo Sérgio Duarte, da recém-criada FUNARTE, para escrever uma publicação sobre o Abstracionismo no Brasil, que intitulei de Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos 50, publicada em 1987. Na ocasião, convidei o crítico de arte Fernando Cocchiarale para colaborar no livro. O Abstracionismo é considerado internacionalmente o último “ismo” da história da Arte Moderna.

Anna Bella Geiger.

O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) foi o quinto de dezessete grandes decretos emitidos pela Ditadura militar nos anos que se seguiram ao golpe de estado de 1964 no Brasil, promovendo inúmeras ações arbitrárias que reforçaram a censura e a tortura como práticas da ditadura.

Texto curatorial

A mostra propõe uma viagem no tempo para o início da produção de uma das maiores artistas brasileiras, a carioca Anna Bella Geiger. Apresentando, pela primeira vez ao público, um recorte considerável dos seus primeiros trabalhos abstratos realizados em gravura e desenho ao longo da década de 1960, sendo muitos deles nunca expostos anteriormente. Anna Bella, ainda uma jovem artista com os seus 16 anos, em 1949 e ao longo dos primeiros anos da década de 1950, inicia os estudos em arte frequentando o ateliê da artista Fayga Ostrower no Rio de Janeiro, de quem Lygia Pape também fora aluna no mesmo período. Ambiente que lhe proporcionou uma aproximação com a produção de arte brasileira e estrangeira por meio de exercícios práticos e discussões teóricas. Já em 1953, participou com grandes nomes da época, como Lygia Clark, Antônio Bandeira, Abraham Palatnik e Ivan Serpa, da 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata, que se deu no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, reunindo a vanguarda dos artistas das mais diversas tendências do abstracionismo brasileiro. Ao longo dos anos 1960, a artista começa a frequentar o ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, quando se detém à produção, aprofundamento e experimentação plástica e conceitual em torno do processo de produção das suas gravuras abstratas. Radicalizando, por volta de 1965, o seu processo criativo por meio do corte da chapa de metal da gravura e assumindo nas suas composições a ideia do relevo e do recorte de forma expressiva e experimental. Logo, podemos observar que o espaço vazio, predominantemente o do recorte, se faz presente na sua impressão gráfica. Apontando, assim, para um processo artístico arrojado, de uma artista que, já no início de sua trajetória, explora a técnica e a subverte. Uma pioneira nos campos da gravura e, também, da videoarte brasileiras por sua ousadia e experimentalismo da época. Além de uma educadora fundamental que esteve sempre em companhia e colaboração com os seus estudantes ao longo dos processos artísticos e educacionais que propunha e desenvolvia. Anna Bella contribuiu para a formação das gerações mais recentes de artistas e curadores da cena contemporânea carioca. Ministrou aulas como professora e compôs o conselho administrativo do MAM Rio nos anos 1970, promovendo cursos, encontros e acompanhamentos com artistas dentro e fora da instituição. Posteriormente, nas últimas décadas e até hoje, promove encontros e cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e no Hoger Instituut Voor Schone Kunsten, na Bélgica. A artista é autora e responsável pela organização da mais relevante publicação sobre arte abstrata que conhecemos até a atualidade. O livro “Abstracionismo Geométrico e Informal: a Vanguarda Brasileira nos anos 50” foi realizado em pesquisa conjuntamente com o curador e crítico de arte Fernando Cocchiarale e lançado pela editora da Funarte em 1987. Traçando um panorama dos primórdios da vanguarda abstrata geométrica e informal no Brasil, do pós-guerra até a retomada da figuração com a Nova Objetividade, a publicação se estrutura por meio de uma introdução, entrevistas e textos selecionados. Contribuindo, desse modo, por seu teor histórico e didático para a difusão e fortalecimento das questões fundamentais do debate em torno do abstracionismo no período. Feita essa nossa viagem no tempo, pudemos percorrer parte da sua produção em gravura e desenho, nos surpreender com o seu processo de trabalho e pesquisa, vislumbrar a sua atitude audaz e empírica. Hoje, com seus 75 anos de carreira e ativa no campo da arte e da educação, celebramos o legado da artista Anna Bella Geiger, que com sua genialidade e coragem, transformou os rumos da arte e se tornou uma inspiração para todos nós.

Ana Hortides.

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