POR VITOR ANGELO
Uma pequena pérola brilha em preto e branco, de forma intensa, no centro da cidade de São
Paulo. Desde sábado, a exposição “Alair Gomes – Percursos”, que fica até o dia 4 de outubro
na Caixa Cultural, na praça da Sé, joga luz não só para questões contemporâneas como o
voyeurismo e o desejo, a releitura do homoerotismo da Grécia clássica como o próprio status
da fotografia.
Alair Gomes, que teve seu trabalho reconhecido depois de sua morte, em 1992, utiliza as
contradições em seu jogo dialético de descobrir a essência da fotografia, o denominador
comum de uma imagem e isto só é possível de termos entendimento pela excelente curadoria
e montagem da exposição feita por Eder Chiodetto.
Logo na entrada da exposição temos as fotos até então inéditas feitas por Alair na Praça da
República, em São Paulo. É a antítese do que estamos acostumados a conhecer do que seria as
fotos de Gomes. Não estamos na região das praias, nem dos corpos seminus, apreciados à
distância por uma teleobjetiva, como nos seu conhecidíssimo trabalho conhecido como a série
fotográfica Sonatines, Four Feet. Aqui, ele se aproxima de seus objetos como identificação,
não como algo que deseja. Ele encara as pessoas com sua câmera, que sabem que estão sendo
encaradas e muitas vezes olham direto na lente, como reflexo. Elas estão razoavelmente
vestidas, mas aí entra outro um componente que o fotografo aprendeu com Antiguidade
Clássica e seu trabalho de fotografar as estátuas greco-romanas, conseguir extrair erotismo do
que vê.
Ele entende que o erotismo é um componente presente no êxtase e ora trabalha no campo da
sexualidade ora da religiosidade as confrontando no que existe de seus opostos e em suas
semelhanças como se fosse a síntese de uma Santa Teresa D’Ávila e um Marquês de Sade. Um
dos pulos do gato da exposição é colocar as Sonatines, de caráter mais terreno e físico com
seus Beach Triptychs que dialoga, à sua maneira (espiritual em carne), com os trípticos
religiosos da arte renascentista.
Existe também a questão da narrativa, ou movimento, como algo que se dá no tempo, e aquilo
que é estático, está hibernado de calor carioca e se dá no espaço. O que era um problema para
a pintura, a questão do movimento narrativo, para Alair é solução, está ali o que ele considera
o específico da fotografia, que a diferencia de outras artes visuais e podemos perceber isto de
forma clara nas Sonatines que contam uma história entre uma foto e outra. Mas isto não
invalida os closes estáticos e explícitos de pênis e ânus que encontramos em Symphony of
Erotic Icons, ali ele apreende aquilo que se dá no tempo (o sexo), como algo no espaço (o
desejo voyeur).
Os jogos em contradição que Alair cria em sua intensa experiência fotográfica também diz
muito de nós, da nossa vontade inerente de desejar, da solidão do olhar que deseja, da
distância (muitas vezes abissal, muitas vezes não) imaginada entre o que te erotiza e o prazer e
mais do que tudo: que aquilo que alimenta nosso desejo está muito mais em nós ( a tal
erotização) do que no que é desejado.