A Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, inaugura no próximo dia 20 de junho a exposição “A mão negativa”, com curadoria de Bernardo José de Souza. Esta é a segunda mostra do programa Curador Visitante, com cerca de cinquenta obras de 38 artistas brasileiros e estrangeiros que ocuparão diversos espaços da EAV Parque Lage : Palacete, Cavalariças, Torre, Gruta, Lavanderia dos Escravos, e a área verde, como o Lago dos Patos, com esculturas, objetos, vídeos, videoinstalações, fotografias e performances.
Bernardo José de Souza reuniu trabalhos dos artistas brasileiros Avalanche (coletivo formado por Virginia Simone, e Matheus Walter), Barrão, Cinthia Marcelle, Cristiano Lenhardt, Erika Verzutti, Leo Felipe, Leticia Ramos, Luciana Brites, Luiz Roque, Mauricio Ianês, Michel Zózimo, Rafael RG, Ricardo Castro, Rodolfo Parigi, Tiago Rivaldo, Vera Chaves Barcellos; do alemão Stefan Panhans; dos espanhóis Daniel Steegmann Mangrané, Sara Ramo; dos franceses Cyprien Gaillard, Dominique Gonzalez-Foerster, Pablo Pijnappel, Marguerite Duras, e Jean Cocteau; do italiano Tomaso de Luca; dos lituanos Elena Narbutaite e Gintaras Didžiapetris; e da portuguesa Susana Guardado.
“A Mão Negativa” abrangerá ainda uma conversa aberta ao público com Bernardo José de Souza e a diretora da EAV Parque Lage, Lisette Lagnado, no próximo dia 23 de junho, e sessões especiais do Cine Lage, nos dias 26 de junho e 31 de julho, com exibição de vídeos dos artistas Cyprien Gaillard e Dominique Gonzalez-Foerster, e do filme “Orpheus” (1950), de Jean Cocteau. Também integram a exposição, dentro do princípio do programa Curador Visitante, trabalhos dos estudantes da EAV Parque Lage: Antoine Guerreiro do Divino Amor, Felipe Braga, Gustavo Torres, Igor Gaviole, Igor Vidor, Manoela Medeiros e Mariana Kaufman. O estudante Ulisses Carrilho foi convidado por Bernardo José de Souza para ser seu assistente na curadoria. “A Mão Negativa” traz ainda o projeto “Rio do Futuro – Antevisão da Cidade Maravilhosa no Século da Eletrônica”, do arquiteto Sergio Bernardes (1919–2002), publicado em 1965 na Revista Manchete. O título da exposição faz alusão a “Les Mains Négatives” (1978), curta de quatorze minutos da escritora francesa Marguerite Duras sobre as míticas pinturas do período paleolítico superior descobertas no início do século 20, na caverna de Gargas, na França, em que se vêem numerosas mãos nas paredes de pedra com seu contorno colorido por pigmentos principalmente vermelhos e negros. O filme estará no Palacete, em looping.
Ficção científica
Bernardo José de Souza conta que a exposição, “largamente inspirada na ficção-científica”, “pensa o espaço do Parque Lage como uma espécie de sítio arqueológico explorado por distintas civilizações no futuro distante, após a população local haver abandonado o Rio de Janeiro devido às tórridas temperaturas e a uma grande onda que deixou a cidade parcialmente submersa no ano de 2074”. “Os visitantes do Parque Lage – desempenhando o papel de exploradores do futuro – irão deparar com os vestígios de civilizações pregressas: esculturas, imagens, arquiteturas e ruínas carregadas de alto teor icônico, impregnadas de simbolismo”. Ele ressalta que as obras, em sua maioria, não usam linguagem verbal ou escrita: “são essencialmente visuais, que causam um embate quase físico e fenomenológico com o espectador”. “Me agrada muito a ideia de que o visitante do Parque vem também para passear, para apreciar a beleza da natureza e das arquiteturas existentes no Palacete e nas outras construções, e vai descobrir espontaneamente obras que estarão espalhadas em todos esses lugares, como se elas quase que brotassem da natureza e do espaço”, diz. “Espero que o público se relacione com essas obras de uma maneira natural, ou ainda reagindo a elas, positiva ou negativamente, achando-as belas ou medonhas, mas que gere algum tipo de estranhamento, de um certo deslocamento de contexto”.
Bernardo José de Souza vem pesquisando a ideia de plasticidade do futuro, inspirada na obra da filósofa francesa Catherine Malabou (1959), que “discute o futuro como algo que se conforma diante de nós, que em alguma medida tentamos projetá-lo, mas em cada passo dado ele se redesenha, se reconforma diante de nós, é quase como uma miragem”. E, para ele, a literatura de ficção científica é a que “tem maior engajamento político”. Cita como exemplo o escritor norte-americano Stanley Robinson (1952), autor da trilogia “Marte” (“Vermelho”, “Azul” e “Verde”). “A ficção científica desorganiza a sociedade tal qual como a conhecemos, e, ao trazer um ingrediente novo, tudo tem que ser pensado e reajustado, e isso gera um impacto tremendo sobre a organização social, e questionamentos políticos: quem é este indivíduo? A quem ele respeita? Qual é a estrutura de poder? Qual é a relação com a natureza? De que maneira a natureza serve ao homem e o homem extrai da natureza seu próprio benefício? A ficção científica tem esse poder de, ao lançar no futuro esta perspectiva de um mundo diferente, repensar toda nossa forma de vida”, explica. “Se daqui a cem anos forem pesquisar a literatura produzida em nosso tempo, se darão conta de que a única literatura essencialmente política é a ficção científica. A literatura do século 21 é intimista, trata de experiência de foro íntimo, privado”, diz.
Ele ressalta, entretanto, que o conjunto de obras selecionadas não trata objetivamente de ficção científica, mas “sinaliza um mundo em transformação, onde o corpo e as formas reconhecíveis, quer na natureza ou mesmo no universo da cultura material, sofrem alguma espécie de abalo, mutação, tanto em seu organismo como em sua estrutura ou arquitetura”. Bernardo José de Souza diz que a exposição vai tratar o Parque Lage dentro da percepção “do espaço como resultado da acumulação desigual de tempos”, de acordo com a tese do geógrafo Milton Santos. Dessa forma, explica, “A Mão Negativa” entende o Parque Lage como “uma geografia onde convivem distintas temporalidades paralelamente, camadas que se sobrepõem ou justapõem constituindo uma dimensão atemporal, na qual passado, presente e futuro são permeados pela ficção”, criando uma zona de exceção, de autonomia dentro da ideia das heterotopias de Michel Foucault (1926-1984). Ele chama a atenção para as arquiteturas distintas existentes no Parque: o Palacete, que “tem ecos do neoclássico, mas também um delírio tropical”; a Gruta, “que é falsa, de concreto”, e o Aquário, mimetizam a natureza; a Torre, “um adendo de um castelo que nunca existiu”, e por fim a oca indígena Kupixawa, “construída há um ano sob os mandamentos de uma arquitetura primitiva”.
Sobre o curador
Crítico e curador de arte, professor universitário e colaborador de publicações sobre cultura visual. Foi Curador do Espaço da 9º Bienal do Mercosul | Porto Alegre e, entre 2005 e 2013, Coordenador de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre. Bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e especialista em fotografia e moda pelo London College of Fashion, é membro dos conselhos curadores do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS e da Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS.
De 20 de junho a 06 de agosto.