Exposição de pinturas de Cirton Genaro na GANSARAL, Campo Belo, São Paulo, SP. A apresentação é do crítico de arte Jacob Klintowitz.
Cirton Genaro.
A escritura do mundo e a construção do mito.
Jacob Klintowitz
Alguns raros artistas desafiam a lógica do mundo social e se tornam, apesar deles mesmos, paradoxais. Cirton Genaro é um destes. Como é possível elaborar uma pintura com a pincelada, a composição e o cuidado renascentista e ter como assunto os cenários da tragédia humana contemporânea?
E, no entanto, estas cenas fronteiriças do abismo se revestem da dignidade da reflexão e do seu caráter paradigmático e simbólico. Em nenhum momento estamos diante do episódico. E, na minuciosa descrição do caos, o artista nos impregna de poesia oriunda do caráter simbólico de suas imagens. E a extrema qualidade pictórica de sua saga visual é, por si só, um símbolo, pois com a conquista humana da linguagem confronta a entropia.
Certamente para Cirton Genaro, mestre pintor, não existem assuntos menores e menos nobres. E com esta atitude ele é exemplar das conquistas libertárias da arte: a nobreza não pertence ao assunto ou ao suporte, mas ao tema pictórico. E ao não ceder à tentação do consumo e a sua superficialidade perecível, ele se torna adepto da mais antiga tradição cultural conhecida, a da arte como narração do destino humano.
É por esta filiação histórica que Cirton Genaro na sua pintura nos dá a sensação de que estamos diante de alguma coisa muito atual e, ao mesmo tempo, de que nos defrontamos com uma expressão do permanente. Ele está narrando o mundo. A sua arte é uma escritura. E esta escritura é filha de Cronos, pois é uma crônica, o registro do nosso percurso no tempo. Os arqueólogos do futuro poderão encontrar nessas pinturas sinais da nossa civilização. Em Cirton Genaro o cotidiano se torna mito.
Com estes atributos a pintura de Cirton Genaro se apresenta como um elemento construtor da nossa visualidade. A qualidade é resultado – além da óbvia dedicação ao estudo – da crença de que a arte é fundamental na história das civilizações e que a função do artista se inicia com a responsabilidade do seu trabalho. Não se trata de carreira, mas de destino.
Seria possível identificar em cada uma de suas invenções pictóricas elementos visuais que nos remetam diretamente para os arquétipos da formação do psiquismo, como o arco-íris, semicírculo que têm simbolizado a aliança entre os homens e os Deuses; o barraco em favela tornado Piet Mondrian, arte xamânica ; o canto da cidade contaminada, a margem, transformada pela riqueza cromática em à margem da vida. E, assim, se quisermos, sucessivamente, ao longo dessa iconografia. Entretanto, tenho a convicção de que basta para nós neste momento sabermos que estamos diante do que de melhor um artista pode fazer, transformar o seu testemunho em forma.