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AGENDA CULTURAL

Ursula Tautz no Paço Imperial

 

No dia 09 de setembro, o Paço Imperial, Centro, Rio de Janeiro, RJ, inaugura a exposição “O Som do Tempo ou tudo que se dá a ouvir”, com uma grande instalação inédita da artista carioca Ursula Tautz, com curadoria de Ivair Reinaldim. Resultado de cinco anos de pesquisa, a instalação aborda o tempo e a memória. Composta por nove toneladas de terra negra, em formato de pirâmide, que soterram uma cadeira com braços e alto espaldar, além de areia dourada e badalos de sinos, a instalação de dois metros de altura é envolta por três filmes, que são projetados pelo ambiente. Por meio de uma obra imersiva, integrada ao espaço e ao entorno, cada visitante terá uma experiência única na mostra, que irá se transformar ao longo do tempo, com o germinar da terra que integra a instalação. Um desdobramento do trabalho será apresentado na ArtRio, de 08 a 12 de setembro.

 

 

“A exposição nos trará a oportunidade de presenciar não apenas um trabalho instalativo de arte contemporânea, mas a apreensão de uma experiência singular de montagem de imagens, sons e tempos, num jogo entre memórias pessoais e coletivas, realidade e ficção. Para além do visual ou do sonoro, a mostra é uma experiência para o corpo. Um convite para a vivência não virtualizada do mundo”, afirma o curador Ivair Reinaldim.

 

A exposição tem uma forte carga histórica e foi pensada especialmente para o Paço Imperial, palco de importantes acontecimentos da história do Brasil, como o Dia do Fico, a Abolição da Escravidão e a Proclamação da Independência do Brasil. “A obra tem relação com o nosso País. O trono soterrado pela terra faz alusão à colonização. E, após a pandemia da Covid-19, não foi mais possível desvincular o monte de terra das cenas que vimos todos os dias em consequência das inúmeras mortes causadas pelo vírus. Mas a terra é forte, preta e fértil, enquanto a areia dourada é uma referência às nossas riquezas, revelando a dicotomia do nosso país”, conta a artista Ursula Tautz.

 

Sobre a montanha de terra, estarão diversos badalos de sinos quebrados, “badalos mudos, parados, que trazem memórias de um tempo congelado, uma tentativa de unir passado e presente”, diz a artista. No entanto, é possível ouvir, de dentro do Paço Imperial, o badalar dos sinos das diversas igrejas ao seu redor, que marcam as horas. O som destes sinos estará sincronizado com os filmes, comandando sua projeção. Quando as badaladas que marcam a meia hora tocarem, os filmes serão paralisados. Quando as badaladas das horas inteiras tocarem, os filmes apagarão e retornarão após o término das badaladas, repetindo o processo ao longo de todo o dia.

 

 

“São vários tempos conversando ao mesmo tempo: o tempo do agora, marcado pelas badaladas dos sinos, o tempo passado dos filmes, o tempo histórico do Paço Imperial e das igrejas. São diversas maneiras de ver e sentir e cada um terá uma experiência única, particular”, diz a artista, cuja intenção foi criar um ambiente imersivo para os visitantes. “Estamos tão saturados de imagens, que a arte tem que te capturar, te transportar para outro lugar”, ressalta.

 

 

Os filmes têm a exata duração do tempo que o Paço Imperial fica aberto diariamente, seis horas. Desta forma, cada visitante terá uma experiência distinta. “Ou ele verá um trecho diferente do filme, ou não verá imagem nenhuma, ficará apenas diante do grande soterramento com seus cheiros e texturas”, diz a artista. Além disso, a instalação irá se transformar durante o período da exposição. Da terra negra, que é fértil, com certeza germinarão plantas.

 

 

“Trata-se de uma instalação impossível de ser narrada e/ou fotografada na sua totalidade, uma vez que nem relatos nem registros são capazes de dar conta das sequências e simultaneidades promovidas pela vivência da matéria, sons e visualidades no ambiente expositivo – fragmentos que, em conjunto, extrapolam aquilo que separadamente evocam”, diz o curador.

 

 

Filmes sobre a Memória

 

 

Projetados na parede, ao redor da instalação, estarão três vídeos produzidos pela artista, que falam sobre memória, sobre diferentes memórias. No primeiro, estão imagens da viagem da artista para a Polônia, onde foi à cidade da avó materna, Uldersdorf an der Biele, aldeia alemã localizada na baixa Silésia, que hoje não existe mais, pois o território foi devolvido à Polônia após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Neste filme estão diversos tipos de memória, a que ela ouviu e testemunhou da avó alemã, a memória do local e dos moradores, além de imagens da viagem que a mãe dela fez 20 anos antes para o mesmo lugar.

 

No segundo filme, também na Polônia, está a imagem de um estábulo onde passarinhos fizeram seus ninhos, e que se relaciona arquitetonicamente com o Terreirinho (espaço no Paço Imperial onde a exposição será apresentada). “São imagens de um transe, os pássaros voando, os sinos tocando, pois quando visitei a cidade era feriado de Corpus Christi e os sinos estavam por todos os lados, nos conventos, nas igrejas, nas procissões e nas ruas”, conta Ursula Tautz.

 

 

O terceiro tem como base o filme “No Paiz das Amazonas”, de Silvino Santos, com imagens da cidade de Manaus no início do século XX. Ele foi o primeiro cinegrafista brasileiro e fez o filme para os seringueiros, com o objetivo de livrá-los de acusações de extermínio étnico. Mesmo filmando uma realidade “maquiada”, é uma documentação fundamental, que aos olhos de hoje causa indignação. Para a exposição, este filme foi mesclado a vídeos enviados por 18 artistas, com imagens oníricas, a fim de se construir uma memória coletiva. “É como se fosse um sonho, com diversas imagens que não necessariamente têm relação umas com as outras, mas que me ajudam a construir uma memória de minha avó manauara, sobre a qual eu nada sei”, afirma a artista. Os artistas que participam do filme são: Analu Cunha, Ariana Schrank, Bel Lobo, Bianca Madruga, Carlos Vergara, Claudia Lundgren, Denise Adams, Jozias Benedicto, Juliane Peixoto, Laura Gorski, Letícia Tandeta, Marcos Bonisson, Patrícia Gouvea, Pedro Gandra, Rafael Adorján, Raphael Couto, Renata Solci Cruz e Vitor Mizael.

 

 

Cinco anos depesquisa

 

 

Para realizar o projeto, a artista fez uma longa pesquisa, que incluiu a viagem para a Polônia, além de estudos sobre os sinos, sua história, visitação às artesanais fábricas e entrevistas, como, por exemplo, com Manoel dos Sinos, o último sineiro do Rio de Janeiro. “Os sinos são símbolos universais, objetos solenes, marcam as horas, os ofícios e o cotidiano, ele são sinais sonoros de nossa humanidade comum. Os sinos nos acompanham há tempos, eles fazem parte da história humana e de nossos rituais desde o Egito Antigo; na Idade Média, a Igreja o fixou em suas torres e em nosso cotidiano, os sinos eram marca de poder, controle territorial e celestial, eram vistos como a manifestação concreta da voz de Deus”, escreveu a historiadora Luciana Muniz Sousa no texto que acompanha a exposição.

 

 

O Paço Imperial está adaptado às regras sanitárias, com medição de temperatura, uso obrigatório de máscara e monitoramento do fluxo de visitantes em todos os ambientes para garantir o distanciamento social recomendado de dois metros.

 

 

ArtRio

 

 

Como desdobramento da exposição, a artista apresentará na ArtRio deste ano, de 08 a 12 de setembro, um projeto solo no stand da galeria FASAM, onde apresentará o vídeo “Tudo que se dá a ouvir” e trabalhos que sintetizam o conceito da exposição no Paço Imperial.

 

 

O vídeo traz o registro de uma performance inédita na qual, vestindo calça e camisa de algodão cru e luvas brancas – em referencia ao filme-propaganda “No Paíz das Amazonas”, de Silvino Santos – a artista lançará doze badalos de sinos antigos e quebrados (que posteriormente serão expostos no Paço Imperial) contra as paredes do espaço, fazendo toda a caixa metálica ressoar, libertando o som do tempo.

 

 

Logo à frente do vídeo estará a memória da performance: a roupa utilizada, um badalo e as luvas. Estarão expostas, ainda, fotografias do filme “No Paíz das Amazonas” e dois trabalhos compostos por redomas e badalos em diferentes dimensões, areia, cordas e arames dourados, que resumem o conceito desenvolvido.

 

 

Sobre a artista

 

Por proposições multimídia, Ursula Tautz desenvolve experiências artísticas que buscam perverter o tempo cronológico através de sua contínua transformação, gerando novas memórias e narrativas. Identidades culturais e históricas são muitas vezes evocadas através do tempo percebido pelo movimento pendular, seja um som, um balanço ou pelos badalos. Pesquisando as relações que envolvem o habitar, o pertencer, a artista utiliza a (re)significação do espaço para o desenvolvimento de suas questões. As ocupações tendem ao uso da instalação. Destes trabalhos de grandes dimensões derivam estudos, desenhos, fotografias, objetos, vídeos. Nos últimos anos o som vem se apresentando como uma nova forma de experimentação. A artista foi finalista do Prêmio Mercosul das Artes Visuais Fundação Nacional de Arte – FUNARTE e participou da Siart Bienal 2018 – Bienal Internacional de Arte da Bolívia em La Paz, e da residência artística Echangeur22, que resultou na exposição “Mobilité, Immobilité”, La Chartreusse, Villeneuve-lez-Avignon, França. Além de ter sido selecionada para a Bienal de Bahia Blanca. Suas obras integram o acervo do Museu de Arte do Rio (MAR).

 

 

Até 21 de Novembro.

 

 

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